Saudações!
Excentricamente retornando, como de praxe, relatando uma arte ainda não experimental por mim e por muitos, mas que a curiosidade aflora quando se fala em Falcoaria ou Cetraria, desde criança penso nisso, quando pela primeira vez me deparei com o desenho do Pica-pau (Woodpecker de Walter Lantz) na qual fazem uma sátira à antiga arte da criação, treinamento e cuidado das aves de rapina.
Da brincadeira ao que interessa, abaixo o artigo em charmoso português tradicional (de Portugal) de introdução na integra sobre o assunto, já que não entendo muito, mas alivia a curiosidade inicial, antes de se aprofundar, quem sabe, futuramente.
Espécies nobres da Cetraria Clássica
As aves de caça constituem um grupo de espécies com características bem definidas que em linguagem cetreira recebem o nome de "aves nobres". A natural faculdade para apresar, a agressividade, a valentia, a velocidade e a força, são alguns dos atributos das aves deste grupo. Distinguem-se de outras aves de rapina, ditas "ignóbeis", onde se incluem dezenas de espécies rapaces, que ao longo da evolução desenvolveram distintas faculdades para procurar o alimento e se especializaram sobre determinados leques alimentares, tendo cada espécie desenvolvido técnicas próprias, incluindo a pesca, a caça noturna, os hábitos necrófagos, ou mesmo dietas exclusivamente necrófagas.
As aves nobres de cetraria constituem, pois um grupo reduzido de espécies do qual distinguimos duas grandes linhagens: "as aves de alto–voo", pertencentes ao gênero Falco, e "as aves de baixo-voo", pertencentes ao gênero Accipiter.
São também utilizadas em cetraria, embora excepcionalmente, algumas espécies do gênero Aquila.
Em todas as aves de presa existe um marcado dimofismo sexual. As fêmeas de todas as espécies são maiores que os machos, recebendo na nomenclatura cetreira o nome de primas, por serem sempre as preferidas para a caça. O macho recebe o nome de treçó por ter, sensivelmente, um terço do peso da fêmea.
Este tão marcado dimorfismo sexual, contrário ao da maioria das espécies de aves e de mamíferos, em que o macho é invariavelmente maior, foi determinado pela evolução e explicado de forma esclarecedora por Diogo Ferreira na sua obra sobre a Caça de Altanaria, publicada em 1616:
"Assim provem a natureza as aves de rapina, sabendo que as mães são as que mais amam os filhos, pelo que fez as fêmeas mais animosas e maiores de corpo, e mais voadoras e de mais força que os machos, para que com as azas alcançassem as outras aves e com as forças as derrubassem, e com as unhas, garras e bico as poderem facilmente matar. E sendo as aves grandes tivessem forças para as poderem levar ao ninho d’onde estão os filhos que há-de manter e criar, pelo que os machos nas aves de rapina são mui pequenos e fracos, d’onde veio aquele adagio antigo dos caçadores: Ave treçuela ni mata, ni buela".
Alto-voo e Baixo-voo: duas técnicas de caça
Alto-voo
É a mais espectacular das modalidades de voo de caça em que se utilizam normalmente falcões.
A ave é largada do punho para o ar para que "remonte", isto é, para que ascenda sobre o terreno de caça até se colocar alto, onde aguardará, descrevendo círculos, ou "tornos", que a peça de caça seja levantada pelo falcoeiro, normalmente com a ajuda de cães.
É também designado lance de "altanaria", ou "voo de espera". O ataque é realizado em rapidíssimo voo descendente, no qual o falcão intercepta a presa, " preando" no ar, ou derrubando a presa ao chão.
Os lances de altanaria praticam-se em grandes espaços abertos e caçam-se voláteis, ou espécies de pena (patos, sisões, faisões, perdizes, pombos, etc.)
Baixo-vôo (Voo baixo)
Modalidade de caça na qual se utilizam açores, gaviões e algumas espécies do gênero aquila.
A ave é lançada do punho enluvado do falcoeiro no encalço da peça de caça, quando esta já se encontra em voo, ou em corrida. A ave caçadora realiza um voo de sprint, descrevendo uma trajetória reta da luva até à presa, de pelo, ou de pena, sendo por isso também chamado "lance à vista", ou ainda "lance a braço-tornado".
OS FALCÕES - AVES DE ALTO-VOO (VOO ALTO)
"O Sacre com chuva, o gerifalte com vento, o nebri com bom tempo"
Falcão Sacre
Falco Cherrug
O falcão sacre é um falcão das regiões desérticas e das estepes da Europa Oriental, Ásia Central e Médio Oriente.
É a mais primitiva e a mais rústica de todas as espécies de falcões. Os falcões sacres são menos ágeis e velozes que outros falcões. Em compensação são dotados de grande força, persistência e valentia.
A sua plumagem é parda, de tons ocráceos, menos vistosa que a dos restantes falcões. O seu tamanho está entre o gerifalte e o peregrino, podendo as fêmeas atingir mais de 1kg.
Foi uma espécie largamente divulgada na Cetraria medieval. É ainda hoje a ave tradicional da falcoaria dos países árabes.
Falcão Gerifalte
Falco rusticolus
Os gerifaltes são falcões da região circumpolar ártica. São os maiores, os mais vigorosos e os mais belos de entre todos os falcões.
Na Idade Média foram considerados verdadeiras jóias e nalguns países a sua posse e utilização na caça foi considerada uma prerrogativa real. Caracterizam-se pelo seu grande poder de ascensão vertical "subir sobre a cauda", pela grande manobrabilidade no voo de perseguição. As fêmeas, maiores do que os machos, podem atingir mais de 1,5 kg de peso, o que lhes permite aprisionar presas de grandes dimensões. A sua plumagem varia do cinzento escuro até ao branco puro. Os mais apreciados eram os "letrados", assim chamados por terem a plumagem com pequenos pontos negros à maneira de letras. Estes grandes falcões eram aprisionados na Islândia e frequentemente ofertados pelos reis da Dinamarca aos monarcas do sul da Europa.
Falcão Peregrino
Falco peregrinus
O falcão peregrino é considerado o "Príncipe das aves de caça", sendo uma das espécies mais apreciadas para os lances de altanaria devido à velocidade dos seus ataques em voo picado.
Deve o seu nome "peregrino" aos hábitos nómadas e às suas peregrinações errantes, sobretudo na fase adolescente. Está representado por numerosas subespécies em todos os continentes.
Na falcoaria medieval destacaram-se as seguintes subespécies de falcões peregrinos:
Falcão Bafari, ou Baarii (falco peregrinus brokey) - Expressão árabe que significa marinho, ou costeiro. Nome dado na nomemclatura cetreira à subespécie ibérica do falcão peregrino, sendo uma das aves com maior tradição peninsular.
Falcão Nebri (falco peregrinus peregrinus e falco peregrinus calidus) - Termo português antigo que designa as subespécies de falcões peregrinos da Europa do Norte. A plumagem destas aves é mais clara e contrastada evidenciando uma grande beleza. Além disso, os falcões nebris são maiores e mais pesados que os peregrinos ibéricos, motivo pelo qual eram tidos em grande apreço pelos falcoeiros da Europa do Sul.
Falcão Tagarote (falco peregrinus pergrinoides) - Termo que designa a subespécie do falcão peregrino do Norte de África, também conhecido por falcão da Barbéria. Eram trazidos para a penísula pelos mercadores do mediterrâneo, sendo o mais pequeno representante da espécie.
Falcão Lanário
Falco biarmicus
São falcões pré desérticos, parecidos com os sacres mas de menor envergadura. Eram normalmente utilizados como "atalaias", levados sem caparão a fim de detectarem à distância as presas no terreno, sobre as quais eram depois lançados os sacres, os peregrinos e os gerifaltes.
Os falcões lanários são também aves muito rústicas, capazes de viver nos meios mais agrestes . Pela sobriedade do seu regime alimentar, dizia-se na Idade Média que eram falcões próprios para escudeiros.
Destacam-se duas subespécies de lanários muito difundidos na cetraria medieval:
Falcão Borni (falco biarmicus feldeggii) - subespécie europeia do falcão lanário.
Falcão Alfaneque (falco biarmicus erlanggerii) - subespécie ocorrente no Norte de África.
Falcão Esmerilhão
Falco columbarius
É o mais pequeno dos falcões de caça, cujo peso raramente excede os 300g. Apesar do seu diminuto tamanho, o falcão esmerilhão é muito veloz e acrobático, sendo dotado de extraordinária valentia, o que leva a atacar presas de muito maiores dimensões como perdizes e alcaravões.
Por ser pequeno era muito utilizado por senhoras, e principiantes para a caça à codorniz, cotovia e outras pequenas aves. A sua nidificação ocorre no Norte da Europa e Ásia, visitando a Península Ibérica durante os meses de inverno, altura em que era aprisionado pelos falcoeiros medievais.
AS AVES DE BAIXO-VOO (VOO BAIXO)
O gavião é como uma miniatura de açor. Foi talvez a ave mais popular da cetraria medieval. "Ave de Porcelana" assim lhe chamavam por ser bonito e frágil. De facto o seu adestramento e manuseamento são delicados devido ao seu carácter nervoso e assustadiço.
Apenas a fêmea era utilizada para a caça, por ser maior do que o macho. Mesmo assim raramente excede os 300 g de peso . O gavião é um exímio caçador que se alimenta quase exclusivamente de aves, atacando todos os voláteis de tamanho igual, ou inferior à perdiz. A sua presa clássica é o melro, e a sua caça é considerada das mais desportivas.
É uma espécie sedentária e frequente nas áreas do território nacional.
Accipiter gentilis
O açor é a ave clássica da caça de Baixo-voo. Foi uma das espécies mais utilizadas na cetraria antiga, em período anterior às cruzadas.
Os grego denominavam esta ave por "astéria", estrela lumminosa, por causa da fris amarela doirada dos seus olhos, de cujo vocábulo procede o latino astur e o português açor.
Os açores são caçadores implacáveis. Caçam partindo da luva do falcoeiro em perseguição directa sobre as presas. As perseguições são curtas, porém rápidas, impetuosas e eficientes.
A sua anatomia é distinta dos falcões. São aves florestais, de asas curtas e arredondadas e "leme" longo, o que lhes confere grande capacidade de manobra em voo.
Caçam indistintamente à pena e ao pelo, tanto em terrenos abertos, como em zonas arborizadas.
As fêmeas, maiores do que os machos, podem atingir mais de 1,5 kg de peso, sendo as mais apreciadas para o voo da lebre. É uma espécie sedentária que habita as áreas florestais de toda a Península Ibérica.
Fonte: http://www.ectep.com/falcoes/aves.html